Sessão Clínica: Síndrome Lipodistrófica

Síndrome Lipodistrófica relacionada ao tratamento do HIV com HAART

Relato do Caso:

Paciente masculino, 51 anos, com história de HIV em tratamento com HAART (terapia antiretroviral de alta atividade) desde 2008, no momento com carga viral indetectável e DPOC em tratamento com glicocorticoides intranasais.

Compareceu à consulta endocrinológica com nódulo na tireoide achado nos exames de rotina, solicitados pelo seu médico. Nódulo com características ultrassonográficas sugestivas de malignidade, hipótese complementada com PAAF, Bethesda IV, sendo submetido à tireoidectomia total em outubro de 2018.  Histopatológico mostrou microcarcinoma papilífero de 1cm, sendo estratificado como baixo risco e  meta de TSH entre 0,5 e 2 mcUI/ml.

Ao exame físico apresentava sinais claros de lipoatrofia, com diminuição da gordura de bichat em membros, além de lipohipertrofia abdominal com obesidade central.

Na primeira consulta de endocrinologia o paciente já estava usando 100mcg de levotiroxina, porém, apresentava hipotireoidismo descompensado, sendo aumentado a reposição progressivamente no intuito de manter o TSH dentro da meta estabelecida, segundo seu risco de recorrência.

Após 2 anos de pós-operatório, usando 200mcg de levotiroxina, paciente ainda mantinha níveis de TSH fora da meta, apresentando um valor de 49,8 mcUI/ml, retornando à consulta com uma glicemia de jejum de 188 mg/dL, HDL 33 mg/dL, aumento de triglicerídeos 167 mg/dL e alteração das enzimas hepáticas.

Foi solicitado um novo perfil glicídico e metabólico que mostrou glicemia 277 mg/dL, HbA1C 9.8%, momento em que foi diagnosticado com Diabetes Mellitus e dislipidemia. Imediatamente foi iniciada terapia não medicamentosa com orientação a modificação do estilo de vida e a combinação de Insulina Glargina associado a análogo do receptor de GLP-1 (IGlarLixi), 16UI à noite. A levotiroxina foi aumentada para 250 mcg (2.5 mcg/kg), com indicação de troca dos horários das medicações evitando interações medicamentosas.

Após um mês de tratamento, o paciente retornou com controles glicêmicos dentro da meta estabelecida, sendo iniciado metformina XR 500mg (em doses progressivas até 2 gramas/dia) e aumentado para 24UI da IGlarLixi. Em dois meses, houve melhora do controle glicêmico, com HBA1C de 7,6% e TSH 10 mcUI/ml, sendo diminuída a dosagem da associação de IGlarLixi para16UI, adicionado Pioglitazona 30mg e a levotiroxina foi mantida, observando-se  melhor controle dos níveis de TSH.

Discussão:

As taxas de infecção pelo HIV subiram exponencialmente ao longo dos últimos 10 anos, e com isso a eficácia do tratamento de primeira linha alcançou importante e sustentada supressão na replicação viral, elevando a sobrevida e qualidade de vida dos pacientes soropositivos, cuja carga viral passa a ser indetectável com o uso da HAART.

No entanto, esta terapia está relacionada com alterações metabólicas caracterizadas por dislipidemia, resistência à insulina, hiperglicemia e redistribuição da gordura corporal, englobando assim a síndrome lipodistrófica do HIV (SLHIV) que acarreta um aumento considerável do risco cardiovascular.

O desenvolvimento desta síndrome é tempo dependente, sendo que quanto maior o tempo de uso da HAART, maior será a lipodistrofia e mais graves as alterações metabólicas dos pacientes.

Estas alterações acontecem porque a HAART produz uma interrupção na diferenciação dos adipócitos, levando ao aumento de tecido adiposo visceral, maiores quantidades de citocinas pro-inflamatórias, principalmente fator de necrose tumoral alfa, diminuindo a expressão de fatores de transcrição que são indispensáveis para a diferenciação do adipócito, como o CEBP (enhancer binding proteins)e PPAR, levando a uma diminuição de tecido adiposo subcutâneo e consequente diminuição dos depósitos de ácidos graxos, aumentando sua concentração plasmática, o que vai levar à resistência insulínica e hiperglicemia.

O tratamento destas alterações metabólicas está baseado em tratar a fisiopatologia da doença individualizando cada paciente. No caso descrito, a combinação da insulina basal e agonista do receptor de GLP-1 foi a opção de início de tratamento, fornecendo controle glicêmico global e melhorando a adesão ao tratamento. A associação com outros antidiabéticos orais, como os sensibilizadores de insulina (Metformina e Pioglitazona), discutidos na sessão, representam ótimas opções terapêuticas, tanto para o tratamento do diabetes como para melhora dos desfechos metabólicos associados à lipodistrofia.

É importante lembrar de identificar as interações medicamentosas entre a HAART e as drogas usadas para tratamento da SLHIV, além de priorizar o tratamento multidisciplinar para o controle das doenças e a otimização da qualidade de vida desses pacientes, sendo de total relevância o contato entre o endocrinologista e o infectologista durante a tomada de decisões.

  • Orientador: Dr. Rodrigo de Oliveira Moreira
  • Relator do Caso: Giovanni Delmondes
  • Debatedora: Aline A. Buendía da Silva

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