Sessão Clínica: Disforia de Gênero

Na manhã do dia 06 de Junho de 2019 tivemos o prazer de discutir um caso raro de arrependimento após transição de gênero.

Reunimos os responsáveis pela criação do ambulatório de Disforia de Gênero (Dra. Amanda Athayde e Dr. Ricardo Meirelles) com os atuais responsáveis pelo atendimento (Dra. Karen de Marca, Dra. Amanda Laudier e Dra. Luisa Novo) e pudemos esclarecer dúvidas e discutir detalhes do caso apresentado.

Como se trata de um desfecho extremamente incomum, foi fundamental a revisão da literatura feita pelos residentes e a experiência desses profissionais para elucidar condutas possíveis e fatores predisponentes para aliviar o sofrimento do paciente em questão e prevenir novos casos.

Discutimos sobre uma paciente que se autodeclara transgênero feminina (sexo de nascimento masculino e identidade de gênero feminina) com incongruência de gênero desde os 16 anos, e que procurou atendimento para transição hormonal aos 20 anos, em dezembro de 2016.

A história revelava, na primeira infância, pouca interação social, evasão escolar, agressividade, fascinação por consertar objetos, uso de ansiolíticos aos 10 anos e tentativa de suicídio aos 17, após iniciar relacionamento com menino. Fazia uso de hormônios e roupas femininas desde o início de 2016. Na época, relacionava-se com transgênero feminina e foi expulsa de casa.

Iniciou terapia hormonal em fevereiro de 2017 após seguir protocolo de avaliação do processo transsexualizador e liberação psiquiátrica. Em três anos tentou suicídio duas vezes por frustrações pessoais com o tratamento. Em maio de 2019 apresentou interesse por pessoa do sexo feminino que não a aceitava e, por isso, decidiu interromper terapia hormonal demandando tratamento com testosterona.

A prevalência de pessoas que se declara transgênero gira em torno de 0,5% da população, entretanto, a busca ativa por tratamento médico para transição é entre 6 a 9 em cada 100.000. Desses, aqueles que relatam arrependimento representam 1%. Pela definição da OMS, trata-se, portanto, de um desfecho incomum de uma condição rara.

Figura 1. Pirâmide baseada na epidemiologia da Disforia de Gênero e do arrependimento após a transição

Vale ressaltar que a taxa de satisfação com o tratamento varia entre 87 e 97% e as complicações relacionadas ao diagnóstico incluem maior prevalência de portadores do vírus HIV, tentativas de suicídio, depressão, violência física e sexual, além de intenso sofrimento psíquico.

Sendo assim, o tratamento torna-se extremamente seguro e convidativo por apresentar taxa de sucesso elevada, prevenção de diversas comorbidades graves e baixa taxa de arrependimento.

Entretanto, por ser grave, esse desfecho requer atenção e prevenção. Por isso, é importante verificar rigorosamente possíveis fatores de risco e respeitar os critérios clínicos e de tratamento, já que essa medida se mostrou eficaz em reduzir tal complicação.

Figura 2: Fatores de risco relacionados ao arrependimento após transição de gênero
Figura 3: Critérios Diagnósticos para Disforia de Gênero

Os critérios para indicar tratamento hormonal incluem disforia de gênero persistente e bem documentada, capacidade para decidir e consentir com o tratamento, maioridade legal e compensação das comorbidades clínicas e psiquiátricas.

As cirurgias que incluem gonadectomia são irreversíveis e apresentam como critério adicional a inclusão de um tempo mínimo de 12 meses com terapia hormonal satisfatória e vivência no papel social desejado. Esse período muitas vezes é suficiente para que o paciente possa se ajustar, rever suas expectativas e decidir sobre a cirurgia com mais clareza.

No caso em questão, o paciente apresentava alguns fatores de risco e, embora os critérios para diagnóstico e terapia hormonal tenham sido respeitados, não foi possível evitar o desfecho. A equipe multidisciplinar ainda busca a melhor forma de aliviar o seu sofrimento, sendo a sessão clínica uma ótima oportunidade de esclarecimentos e inspiração.

Referências:

Eli Coleman, et al. (2012). Normas de atenção à saúde das pessoas trans e com variabilidade de gênero (7ª ed.)

Marta R. Bizic et al. Gender Dysphoria: Bioethical Aspects of Medical Treatment. 2018, Hindawi BioMed Research International

Chantal M. Wiepjes, et al. Amsterdam Cohort of Gender Dysphoria Study. J Sex Med 2018;1-9.

Sam Winter, et al. Transgender people: health at the margins of society. June 17, 2016.

Byne, et al.; Transgender Health 2018, 3.1

Sessão Clínica: Transplante Simultâneo de Rim

Na sessão clínica sobre transplante simultâneo rim – pâncreas, discutimos o caso de uma paciente de 35 anos, hipertensa e dislipidêmica, com diagnóstico de diabetes mellitus tipo 1 (DM1) desde os 12 anos e má adesão ao tratamento proposto desde o diagnóstico. Aos 29 anos, evoluiu com síndrome nefrótica e piora progressiva da função renal, com indicação de hemodiálise aos 34 anos de idade. Além da nefropatia diabética confirmada por biópsia renal, foram documentadas outras complicações microvasculares como retinopatia e neuropatia diabética.

Em janeiro de 2019, foi submetida a transplante rim pâncreas simultâneo, apresentando normalização da glicemia de jejum e da hemoglobina glicada (Hba1c), sem necessidade de uso de insulina após o transplante (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Evolução histórica laboratorial – Linha vermelha pontilhada marca o momento do transplante simultâneo pâncreas- rim

Dentre as três modalidades de transplante pancreático, ou seja, transplante de pâncreas isolado, transplante de pâncreas após transplante de rim e transplante de pâncreas rim simultâneo, o último se mostrou o tratamento ideal para pacientes com DM1 e taxa de filtração glomerular menor que 20 mL/min, devido a maior taxa de sobrevida dos enxertos. Quando ocorre sucesso do transplante, definido por normalização da Hba1c e da glicemia de jejum e independência da terapia com insulina exógena, observa-se que os efeitos no metabolismo glicídico e lipídico se mantém pelo menos até 5 anos pós transplante. Além disso, há evidências na literatura sugerindo benefício após o transplante em complicações microvasculares do diabetes. A contrapartida, porém, são os riscos da imunossupressão crônica e complicações perioperatórias, que pressupõe, sempre, uma avaliação cuidadosa e individualizada dos riscos e benefícios para os pacientes candidatos.

O transplante rim pâncreas simultâneo, dessa forma, deve ser considerado como uma opção terapêutica em pacientes com diabetes mellitus (DM) em fase pré-diálise ou dialítica. Para auxiliar no raciocínio das possíveis condutas nestes casos, montamos o fluxograma abaixo (Fluxograma 1). Vale atentar que caso o paciente tenha indicação de diálise e não haja disponível transplante simultâneo rim–pâncreas no momento, o paciente deve ser submetido primeiramente ao transplante de rim, e posteriormente, quando disponível, ao transplante de pâncreas, a fim de reduzir a mortalidade elevada do paciente com DM em hemodiálise.

Fluxograma 1 

Visto o benefício do transplante de órgãos, torna-se indispensável o papel do médico como propagador da vida, incentivando a adesão ao programa de doação de órgãos e trazendo a responsabilidade para a sociedade como um todo, tornando o cidadão um instrumento ativo, para que continuemos a admirar a arte da vida.

Referências:

EKSER, B. et al. Impact of duration of diabetes on outcome following pâncreas transplantation. Internacional Journal of Surgery (2015) 21-27

Angelika C. Pancreas Transplantation for Patients with Type 1 and Type 2 Diabetes Mellitus in the United States: A Registry Report. Gastroenterol Clin N Am 47 (2018) 417-441

LEHMANN, R. Glycemic Control in Simultaneous Islet-Kidney Versus Pancreas- Kidney Transplantation in Type 1 Diabetes. Diabetes care. 2015

The Diabetes Control And Complications Trial / Epidemiology of Diabetes Interventions and Complications Study at 30 years: Overview. Diabetes care. 2014.

Transição de Gênero: Esse caminho pode ter volta?

O complexo processo de transição de gênero requer avaliação e supervisão constante de equipe multiprofissional. Mesmo assim, quando surgem desafios como o arrependimento da transição surgem muitas dúvidas.

Este será o assunto da próxima sessão clínica sobre Disforia de Gênero. A atividade contará com a participação de membros da equipe multiprofissional do ambulatório e os residentes Daniel Sant’Anna e Fernanda Pescador.

  • Sessão clínica: 06/06/2019
  • Local: Auditório Arnaldo de Moraes-dentro da direção do IG.

Relato de Caso: Transplante Duplo Rim-Pâncreas

Existe cura para o Diabetes Mellitus? Este será o assunto em pauta no dia 30 de maio, no Auditório Arnaldo de Moraes, às 10h, pelos doutores Camila Vicente dos Santos, Rafael Castellar e Larissa Gava Ziviani.

Relato de Caso:

Paciente, sexo feminino, 35 anos. Tem diagnóstico de Diabetes Mellitus tipo 1 desde os 12 anos. Em 2013, evoluiu com síndrome nefrótica e piora progressiva da função renal, estando – atualmente – em tratamento com hemodiálise. É hipertensa e dislipidêmica.

Vamos discutir no dia  30 de maio os seguintes pontos:

  1. Qual a melhor opção de tratamento do Diabetes Mellitus e da doença renal neste caso?
  2. Quais as técnicas cirúrgicas dos transplantes isolados de pâncreas e duplo rim-pâncreas?
  3. Qual a sobrevida desses pacientes submetidos à transplante?
  4. Riscos e benefícios deste tipo de tratamento?

Aguardamos vocês no Auditório Arnaldo de Moraes (após a porta de vidro no IG), às 10h, para aprendermos juntos sobre esse tema atual e palpitante.

  • Dra. Camila Vicente dos Santos – endocrinologista do Serviço de Diabetes do IEDE
  • Dr. Rafael Castellar – Pós-graduando em Endocrinologia do IEDE
  • Dra. Larissa Gava Ziviani – Residente em Endocrinologia do IEDE
Simposio Carioca

II Simpósio Carioca de Endocrinologia Feminina e I Simpósio de Andrologia

No dia 6 de julho será realizado o II Simpósio Carioca de Endocrinologia Feminina, e agora também o I de Andrologia. O evento é uma iniciativa do Serviço de Endocrinologia do IEDE em conjunto com a ASSEP. A atividade será no Hotel Windsor Florida, Flamengo.

A primeira edição aconteceu em 2017, e foi um sucesso, e a organização espera um resultado ainda melhor para este ano. As inscrições estarão abertas em breve. Vale lembrar que os associados quites da entidade têm inscrição gratuita para o evento.

O uso de anabolizantes e a fertilidade masculina; Como conduzir o Hipogonadismo no idoso e paciente obeso; Disfunção Erétil no Diabético; Síndrome dos Ovários Policísticos e suas Implicações cardio-metabólicas; Tudo sobre Menopausa; Hormônio anti-mulleriano e fertilidade feminina; Testosterona na mulher, e o tão falado Chip da Beleza serão temas discutidos durante o Simpósio.

Inscrições

Para inscrições, envie os dados a seguir por email, escolhendo a categoria para o preenchimento e envio da inscrição -para assep.iede@gmail.com, com assunto: II Simpósio. 

    • Nome completo:
    • Nome crachá:
    • CRM:
    • CPF:
    • Especialidade:
    • E-mail:
    • Telefone para contato (com ddd): 

Confira a Programação Completa 

07:30 – 08:00     Credenciamento

08:00h – 08:10   Abertura

  • Rosa Rita dos Santos Martins – IEDE
  • Karen de Marca Seidel – Chefe do Serviço de Endocrinologia
  • Luis Felipe Osório – Coordenador do Ambulatório de Andrologia do IEDE
  • Graziella Mendonça – Coordenadora do Ambulatório de Endocrinolgia Feminina
  • Rita Weiss – Colaboradora do Ambulatório de Endcrinologia Feminina

Módulo 1: Coordenação Renato Torrini (IEDE/RJ)

  • 08:10 – 08:30h    Alterações de testosterona no paciente obeso. Como interpretar e tratar? – Luis Felipe Osório (IEDE/RJ)
  • 08:30 – 08:50h    Reposição hormonal no idoso e efeitos cardiovasculares. O que sabemos até agora? – Renato Redorat
  • 08:50 – 09:10h    Disfunção erétil no paciente com diabetes – André Cavalcanti (Gaffré Guinle)
  • 09:10 – 09:30h    Discussão

Módulo 2: Coordenação Edna Pottes (IEDE/RJ)

  • 09:30 – 09:50h    Infertilidade masculina no consultório de endocrinologia – Renato Castro Torrini (IEDE/RJ)
  • 09:50 – 10:10h    Impacto do uso de anabolizantes na saúde do homem – Ricardo Oliveira (UERJ/RJ)
  • 10:10 – 10:30      AMH e Congelar óvulos em mulheres que pretendem postergar a gravidez – Maria do Carmo (Fertipraxis)
  • 10:30 – 10:40h    Discussão

10:40- 11:00h Coffee Break

Módulo 3: SOP – Coordenação Rita Weiss (IEDE/RJ)

  • 11:00 – 11:20      Estudo Brasileiro de SOP – Poli Mara (UFRGS/RS)
  • 11:20 – 11:40h    SOP – DCV/trombose/HAS- – Marcia Freitas (INC)
  • 11:40 – 12:00h    SOP-NASH/DM2/obesidade – Marcia Helena Costa (Gaffré Guinle)
  • 12:00 – 12:20      TTO SOP dieta especifica, pílula, metformina – Graziella Mendonça (IEDE/RJ)
  • 12:20 – 12:30h    Discussão

12:30-13:30h  Brunch

Módulo 4: Menopausa – Coordenação Amanda Athayde (IEDE/RJ)

  • 13:30 – 13:45h    Quando indicar e tipos de esquemas terapêuticos – Flavia Lucia Conceição (UFRJ)
  • 13:45 – 14:00h    Qual progestógeno escolher? – Flávia Barbosa (Gaffré Guinle)
  • 14:00 – 14:15h    Tibolona vantagens e desvantagens – Amanda Laudier (IEDE/RJ)
  • 14:15 – 14:30h    Discussão

Módulo 5: Menopausa – Coordenação Veronica Alves (IEDE/RJ)

  • 14:30h – 14:45h Tratando os sintomas da menopausa sem hormônio – Ricardo Meirelles (IEDE/RJ)
  • 14:45h – 15:00h Tratamento da síndrome genito- urinaria – Ricardo Bruno (Instituto de Ginecologia-UFRJ)
  • 15:00h – 15:15h Terapia hormonal na menopausa e DCV – Bruno Bussade (Casa de Saúde São José)
  • 15:15h – 15:30h Discussão

15:30-15:50        Coffee Break

Módulo 6: Coordenação Graziella Mendonça (IEDE/RJ)

  • 15:50 – 16:10      Hiperandrogenismo na pôs menopausa – Rita Weiss (IEDE/RJ)
  • 16:10 – 16:30      Testosterona na Menacme e pós menopausa – Amanda Athayde (IEDE/RJ)
  • 16:30 – 16:50      Chip hormonal – Karen de Marca (IEDE/RJ)
  • 16:50 – 17h          Discussão e encerramento do evento
  • Categoria:

Transgênero no Esporte

Tema sempre palpitante e polêmico, a participação do transgênero no esporte tem sido debate de diversas reportagens na mídia e discussões em congressos médicos e de outras especialidades.

Em abril, nossa vice-diretora da ASSEP e coordenadora do Ambulatório de Disforia de Gênero do IEDE, Dra. Karen de Marca, esteve no Simpósio Integrado de Endocrinologia e Exercício (SIEEX) falando sobre o assunto.

Artigo*

O que sabemos até o presente momento

O hormônio testosterona é responsável, durante a puberdade, pela diferença entre homens e mulheres em relação ao desenvolvimento da massa muscular, maior concentração de hemoglobina, maior previsão de altura (o que realmente confere uma vantagem) e maior rendimento físico quando comparado às mulheres.

Mas, e no caso das mulheres trans? Como a terapia hormonal, baseada no uso de antiandrógenos e estrógenos, poderia interferir nesta performance? Em quanto tempo uma mulher trans já poderia competir em condições de equidade com mulheres cisgêneras. O nível de testosterona seria o único fator responsável pela determinação da participação dos trans nas competições?

Sabemos que não existe uma relação direta entre os níveis de testosterona e performance atlética.

A International Association of Athletics Federations (IAAF) determinou como critério de elegibilidade para participação da mulher trans ser reconhecida legalmente no gênero feminino é ter níveis de testosterona abaixo de 144ng/dL. Já o Comitê Olímpico Internacional definiu como ter o gênero feminino legalmente, estar em terapia hormonal cruzada por pelo menos um ano e ter níveis de testosterona abaixo de 288 ng/dL.

A discussão está longe de terminar, precisamos de mais estudos com a população trans e, sobretudo, com atletas transgênero.

*Dra. Karen De Marca, vice-presidente da ASSEP-IEDE 2019-2020

Referências Bibliográficas do texto:

– sport and transgender people: a systematic review of literature relating to sport participation and competitive sport policies. Jones BA et al. Sports Med 2017 47: 701-716
– Biological sex, gender and public policy. Van Anders S.M. policy insights from the behavioral and brain sciences 2017, vol 4 (2) 194-201.
– circulating testosterone as the hormonal basis of sex differences in athletic performance. Handelsman DJ. Endocrine Reviews 2018

Assep

Novos Alunos do IEDE

A diretoria da ASSEP realizou uma recepção de boas vindas para receber os novos alunos do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione (IEDE), no final de março deste ano. De acordo com a presidente Dra. Cynthia Valério, a atividade já é uma tradição da associação.

Sincronizando o Exercício

Sincronizando o exercício com o ciclo circadiano pode  melhorar a glicemia pós-prandial*

Quase sempre que falamos em prescrição de exercício, pensamos em três aspectos básicos:

1) tipo;

2) frequência e

3) intensidade.

Esta, última, é inclusive a recomendação do ACSM (American College of Sports Medicine), dentro do chamado método “FIT” (F: frequency; I: intensity; T: type). Mas será que dar atenção a apenas estes três aspectos é suficiente para um paciente portador de alguma patologia crônica? Não.

Existe alguma forma de se otimizar o impacto da atividade física sobre a glicemia em praticantes portadores de DM2? A resposta é sim! Provavelmente se adicionarmos o “timing” da pratica esportiva a essa lista (ficando então com “FITT”) podemos produzir uma melhora ainda mais pronunciada. Trabalhos recentes têm demonstrado que quando o exercício é realizado no período pós-prandial, em comparação ao período pré-prandial, ocorre maior redução da glicemia pós-prandial bem como da lipemia pós-prandial. Faz sentido, não é mesmo?

Lembro inicialmente que o músculo esquelético é responsável por 50-75% captação de glicose insulino-mediada. Sendo assim, o exercício (via ativação do músculo esquelético) é peça chave no controle da glicemia pós-prandial, e me parece “de bom tom” tentar manipular este “interplay” entre exercício e refeições a fim de extrair o melhor possível em termos de controle pós-prandial. Já é tão difícil fazer com os pacientes façam exercício… Então que se extraia o máximo possível desses momentos. Quer ver alguns exemplos ?

Ai vai:

  • Colber e cols demonstraram que 20 minutos de caminhada (sim ! caminhada e não corrida!) na esteira iniciados entre 15 e 20 minutos após o término do jantar promoveram redução da glicemia pós-prandial enquanto que o mesmo volume de exercício feito imediatamente pré-jantar não gerou nenhuma melhora glicêmica.
  • Em pacientes obesos (não DM), pequenos “bouts” de exercício distribuídos ao longo do dia atenuaram a glicemia de forma mais robusta do que a mesma quantidade de exercício realizada de uma só vez pela manhã.
  • A simples orientação dada aos pacientes para que façam caminhada iniciando-a 10 minutos após a refeição foi mais eficiente no controle da glicemia pós-prandial em pacientes com DM2 do que apenas indicar o exercício, porém sem especificar o “timing”. Vale ressaltar que este foi um elegante trabalho com desenho randomizado e em cross-over.
  • Exercício de musculação iniciado 45 minutos após o término do jantar foi mais eficiente na redução da glicemia pós-prandial do que fazê-lo acabando até 30 minutos antes do jantar.

Entre tantos outros. O fato é que, a maioria dos trabalhos aponta nesse mesmo sentido. Ou seja, vale a pena atentar para este ponto além dos outros que já estamos acostumados a observar.

Os mecanismos por trás deste fenômeno são muitos, dentre os quais destacaria:

  • Quando um paciente com DM2 se exercita em jejum (ou no período pré-prandial) o ambiente hormonal de fundo é caracterizado por:
    – Insulina
    – Glucagon ­
    – Cortisol ­

Este cenário “libera” a produção hepática de glicose assim como a secreção de triglicérides pelo fígado, ou seja, o inverso do que desejamos quando pensamos em controle da glicemia e lipemia pós-prandial.

Por outro lado, ao se exercitar no período pós-alimentar, o “milieu” endócrino será o seguinte:

– Insulina ­
– Glucagon
– Cortisol

Muito mais favorável para o controle glicêmico e lipêmico.

  • O exercício, quando realizado no período pós-prandial ajuda a realinhar a inversão de padrão circadiano que ocorre no DM2. Este nos parece o grande ponto do momento científico atual. Conhecido como “cronobiologia”.  Em outras palavras: qual o papel das variações circadianas que ocorrem na sensibilidade a insulina e na tolerância lipídica nisso tudo ? Em indivíduos não diabéticos há uma maior sensibilidade a insulina e uma melhor tolerância lipídica no período da manhã, a qual vai piorando ao longo do dia até um pico no período da noite(antes de dormir). Já em pessoas com DM2 existe uma inversão deste padrão: o período da madrugada é que passa a exibir uma pior sensibilidade a insulina e uma maior intolerância lipídica. Razão pela qual há hiperglicemia de jejum nestes pacientes (o chamado “fenômeno do alvorecer” ou “dawn phenomenon”).

Vejam outros pontos de fisiopatologia correlatos e que ajudam a entender este assunto:

  • Indivíduos em risco para desenvolvimento de DM2 apresentam aumento na expressão de receptores de melatonina no pâncreas. A melatonina, por sua vez, mostrou-se capaz de inibiar a secreção de insulina pela cel B glicose-mediada.
  • Pacientes com DM2 exibem, claramente, um ritmo circadiano de estocagem de glicogênio hepático.
  • Manipulação da função de genes relacionados ao ritmo circadiano (como: CLOCK e BMAL1) em modelos animais ocasiona DM.
  • O pico noturno de melatonina ocorre de forma atrasada em pessoas com DM2.
  • Exercício realizado a noite (após a meia-noite) pode aumentar de forma considerável o pico noturno de melatonina

Enfim, do ponto de vista fisiopatológico, há uma ligação evidente e complexa entre os ritmos circadianos e DM2. Do mesmo modo há relação entre estes ciclos nicteméricos e a resposta ao exercício. Está, portanto, a nossa alcance, através de uma orientação simples manipular esta cronobiologia a favor do nosso paciente. “Procure fazer o seu exercício, sempre que possível, no período pós-prandial. Assim conseguiremos baixar mais a sua glicose e o seu colesterol !”. Fácil, não? Então mãos à obra e bons treinos!

Dr. Roberto Zagury, Diretor Científico ASSEP-IEDE, gestão 2019-2020

Referências:

  • Heden TD, Kanaley JA. Syncing exercise with meals and circadian clocks. Exerc Sports Sci Rev 2018;47(1):22-8
  • Colberg SR, Zarrabi L, Bennington R et al. Postprandial walking is better for lowering the glycemic effect of dinner than pre-dinner exercise in type 2 diabetic individuals. J Am Med Dir Assoc 2009;10(6):394-7
  • Holmstrup M, Fairchild T, Keslacy S et al. Multiple short bouts of exercise over the 12-h period reduce glucose excursions more than an energy-matched single bout of exercise. Metabolism 2014;63(4):510-9
  • Reynolds AN, Mann JI, Williams S et al. Advice to walk after meals is more effective for lowering postprandial glycaemia in type 2 diabetes mellitus than advice that does not specify timing: a randomized crossover study. Diabetologia 2016;59(12):2572-8
  • Heden TD, Winn NC, Mari A et al. Postdinner resistance exercise improves postprandial risk factors more effectively than predinner resistance exercise in patients with type 2 diabetes. J Appl Physiol (1985) 2015;118(5):624-34

Eventos

Neste espaço estão listados todos os eventos (Educação Médica Continuada e campanhas públicas) que são realizados pela Associação Ensino e Pesquisa do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione (ASSEP) ao longo do ano.

Simpósios, cursos e oficinas abordando os principais temas da endocrinologia estão programados, além das campanhas públicas de conscientização sobre colesterol, tireoide, diabetes etc.

O primeiro grande evento de 2019 é o Simpósio Carioca de Tireoide. Este ano será realizada a sexta edição da atividade, organizada pela Dra. Rosita Fontes, Dr. Renato Torrini e Dra. Vera Leal, do Ambulatório de Tireoide do IEDE. O evento está marcado para o dia 27 de abril, no Hotel Windsor Flórida/Flamengo.

O principal evento da ASSEP no ano, o Encontro Anual do IEDEtambém já tem data, local e tema definidos. Marcado para os dias 29 e 30 de novembro, no Centro de Convenções Hotel Windsor Marapendi/RJ, a 48° edição irá discutir um tema bastante atual e que, nos últimos anos, está em evidência: Fatos x Fakes na Endocrinologia. Entre alguns dos palestrantes confirmados estão Dr. Ricardo Meirelles, Dr. Alexandre Hohl, Dr. Amélio Godoy e Dr. Rodrigo Moreira, atual presidente da SBEM Nacional.

Confira datas, horários e locais dos eventos.